terça-feira, junho 21, 2011

Quando fiz sinal de corpo pra moça que estava no banco do ônibus insinuando que eu queria me sentar na parte vaga da poltrona, ela tirou os fones do ouvido e perguntou se eu queria, de verdade, me sentar ali – é que tava um pouco molhado.

Eu disse:

- Está só molhado o lugar?

- Sim.

- Então, vou me sentar – e entrei entre suas pernas e o encosto da poltrona da frente e me sentei, no molhado. Ela recolocou os fones de ouvido e abstraiu. De minha parte, comecei meus devaneios em ônibus, sonhando com as casas que eu via na beira das avenidas e onde seria gostoso morar. De meu lugar, via as casas pegando o sol da tarde, iluminadas no último e, aí, pensei que seria bom morar ali apenas no inverno. E me lembrei de um tipo de tortura sobre a qual ouvia falar, quando entrei na escola, em 1969: colocavam uma goteira de água gelada sobre a cabeça do prisioneiro. Me lembrei disso, porque só então vi que o ar condicionado do ônibus, defeituosamente, pingava no lugar que eu tava sentado, pingando agora suas gotas geladas na minha cabeça. E comecei a imaginar, como conseguiriam isso, quer dizer, o prisioneiro deveria estar amarrado, embaixo das gotas?

- Ta amarrado! – uma voz falou dentro de mim. E era a Xuxa na cozinha inventando alguma estória sobre seu último namorado, que todo mundo sabia que não existia. E, nisso, a moça se ajeitou ao meu lado, encostou-se toda em mim e reparei que ela era enorme e tinha cabelos enormes, duros, cheios, e olhei e vi que tinha uma outra moça em pé no corredor do ônibus com os mesmos cabelos duros, cheios, esticados, pintados, e que segurando nas alças de duas cabeças de poltronas à frente dela, relaxava o pescoço, rodando sua cabeça em torno do tronco, como se fosse uma minhoca cabeluda.

E um cara de voz máscula atendeu o celular na poltrona de trás e começou a negociar e eu achei que ele estivesse mentindo, porque acho que todos mentem no celular.

E a moça que ouvia rádio no seu celular a meu lado se levantou para saltar e um cara muito grande se sentou a meu lado e fiquei vergonhosamente reparando o tamanho de suas pernas ao lado das minhas e quando ele levantou pra sair sentou-se outra mulher enorme a meu lado e fiquei me sentindo muito pequeno outra vez... e eu, ali, sob a goteira.

Ta amarrado!

Fui!

2 comentários:

walter disse...

Saudade de andar de onibus.
Eu sempre gostei de andar de onibus em pe. E' que os motoristas em sua maioria dirigem feito loucos e eu gostava do impulso e da constante necessidade de lutar para nao cair.Mas eu era bem mais jovem.Agora creio que tambem sentaria no molhado...

luiscapucho disse...

Eu estava com o violão, aí, quis ficar sentado.